Cegueira, a morte da visão
Artigo de Rubens Belfort Jr. discute a perda da visão e como os marcadores da cegueira visual precisam ser explorados e adaptados às diversas necessidades e situações por meio da oftalmologia paliativa
“Lidar com a morte — a própria e a dos pacientes — é uma questão que está intimamente ligada à necessidade da humanização da medicina, tão relevante na atualidade”, diz o professor Rubens Belfort Jr. em artigo sobre uma das diversas mortes, “a perda da visão, considerada uma forma de morte pelos oftalmologistas”.
O artigo, intitulado “A morte da visão: a cegueira”, foi publicado como um dos capítulos no livro A Medicina da Pessoa no Século XXI, de J.J. Camargo, que acaba de ser lançado pela editora Artmed.
“Para o oftalmologista, a cegueira é a morte; há dezenas de definições, que vão desde a incapacidade de ler até a não percepção da luz. O cego com frequência não vive no escuro, mas mergulhado em cinzas de diferentes intensidades, na neblina total. A cegueira e o medo dela levam geralmente ao desespero. Os olhos, pela capacidade de comunicação, de fazer sentir, são muito relacionados à morte. Frente a ela, com frequência o piscar diminui, tentando aproveitar o máximo de visão que resta, e as pupilas permanecem dilatadas, como que para deixar entrar toda a luz possível. Depois, os olhos com frequência não se fecham, permanecendo tristes e embaçados. Já a cegueira pode muitas vezes ser antevista pelo oftalmologista, e lidar com esta situação com o paciente e com a família sempre implica grande esforço, além de tempo”, diz Belfort Jr., professor titular do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e um dos mais renomados oftalmologistas do país.
“Por serem diferentes, os marcadores da cegueira visual precisam ser explorados e adaptados às diversas necessidades e situações por meio da oftalmologia paliativa, uma abordagem médica concentrada no cuidado e alívio dos sintomas relacionados às doenças terminais, para os quais não há possibilidade atual de recuperação. Nesta abordagem, o oftalmologista tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, não apenas encaminhando para a reabilitação, realizada por técnicos, mas participando também como integrante primário do processo. Assim, na oftalmologia paliativa, se trabalha em conjunto com outros profissionais de saúde, e o oftalmologista continua sendo necessário para melhorar a qualidade de vida, proporcionando conforto físico, emocional e espiritual aos pacientes e seus familiares. Se, por um lado, não se pode deixar de dar esperanças, também não se deve transmitir falsidades, com procedimentos tentativos ou ruins não só para o paciente, mas para todos os envolvidos, com chances zero de melhora e que podem levar a olhos atróficos, dolorosos e esteticamente piores. Deve-se tomar cuidado com essa atitude não apenas na clínica, pela mercantilização dos cuidados, mas também em ambientes universitários e de ensino, onde professores envaidecidos acabando passando uma impressão de onipotência aos alunos”, diz o artigo de Belfort Jr., que também integra o Conselho Curador da Fundação Conrado Wessel.
O autor destaca as melhorias tornadas possíveis pelas novas tecnologias aplicadas à medicina, tanto na prevenção como na cura de cegueiras ou na substituição e ampliação da visão residual.
“Novas possiblidades surgiram, com telas de ampliação digital, sistemas de interpretação de imagens e transmissões auditivas decodificadas. Já há possibilidades de hologramas em que formas e expressões corporais serão montadas e palpadas, com recursos multissensoriais. talvez até com algoritmos que possam transformar e escamotear a realidade, substituindo a visão. É um avanço possível, mas em um futuro remoto pode ser que se adote a projeção de imagens e sons em áreas cerebrais e surjam novos patamares na comunicação, a partir dos quais os próprios olhos passem a ser menos necessários”, diz Belfort Jr.
O livro A Medicina da Pessoa no Século XXI tem por objetivo estimular o exercício de uma medicina mais humana e solidária, tendo a pessoa – e não apenas a doença – no centro do cuidado.
Editado por J.J. Camargo com a valiosa contribuição de renomados profissionais brasileiros, a obra traz reflexões sobre aspectos relacionados à formação de novos médicos; à humanização do cuidado em geral, de crianças e de idosos, em casos de doenças crônicas e oncológicas; à saúde mental, às nossas muitas mortes e à atuação em cuidados paliativos e à terminalidade. J.J. Camargo é médico, escritor e palestrante gaúcho, pioneiro em transplante de pulmão, tendo realizado o primeiro transplante de pulmão no Brasil e da América Latina.
Mais informações: https://loja.grupoa.com.br/a-medicina-da-pessoa-no-seculo-xxi9786558822318-p1051335
Foto: Instituto da Visão (Ipepo) – Projetos Amazônicos